O plenário do Senado Federal aprovou nesta terça-feira (9) a proposta de emenda à Constituição que introduz a tese do chamado “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas no Brasil.
O que muda com a PEC 48/23?
- A proposta define que os povos indígenas terão direito à demarcação apenas das terras que estavam sob sua ocupação ou disputa na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988.
- As áreas ocupadas depois dessa data, mesmo que historicamente reivindicadas, poderão perder o direito à demarcação.
- Para propriedades já em posse de particulares com “justo título” ou “posse de boa-fé”, a PEC garante que esses atos terão validade, salvo comprovação de esbulho tradicional indígena antes de 1988.
- A proposta prevê também a possibilidade de indenização prévia e justa, pela União, da terra nua e das benfeitorias, se houver desapropriação por interesse social; e abre a alternativa de compensação aos indígenas com áreas equivalentes.

Como foi a votação
A tramitação da PEC foi acelerada: os senadores aprovaram um requerimento que eliminou o intervalo habitual entre os turnos de votação — possibilitando o segundo turno no mesmo dia.
- No primeiro turno: 52 votos a favor e 14 contra.
- No segundo turno: 52 votos a favor e 15 contra.
Com a aprovação, a PEC será agora enviada à Câmara dos Deputados para nova análise.
Contexto e polêmica em torno do marco temporal
A princípio, a tese do marco temporal tem gerado intensos debates há anos. Por um lado, sua aprovação é defendida como uma forma de conferir maior segurança jurídica e previsibilidade para proprietários rurais e ao agronegócio, alinhando demarcações a um marco legal claro.
Por outro lado, críticos — especialmente povos indígenas e organizações ligadas aos direitos originários — argumentam que a data de 1988 ignora expulsões, deslocamentos ou extermínios que já ocorriam há séculos, inviabilizando demarcações legítimas e historicamente justas.
Além disso, o tema já foi objeto de decisão no Supremo Tribunal Federal: em 2023, a Corte considerou a tese do marco temporal inconstitucional. A aprovação da PEC agora representa uma tentativa do Legislativo de revisitar essa questão pela via constitucional.
Dessa maneira, para seus defensores, a PEC poderia “trazer estabilidade jurídica” e “equilíbrio entre segurança fundiária e direitos indígenas”. Já os críticos alertam para risco de aprofundar desigualdades históricas, atrasar demarcações legítimas e agravar conflitos fundiários.
O que esperar a seguir
- A próxima etapa é a análise pela Câmara dos Deputados — os deputados decidirão se mantêm, alteram ou rejeitam a PEC.
- O debate deve reacender polêmica em todo o país, com mobilizações de comunidades indígenas, organizações sociais e do agronegócio.
- A decisão final poderá influenciar diretamente disputas territoriais em curso e a política de demarcação de terras no Brasil — um tema central em questões ambientais, sociais e de direitos humanos.
Consequências práticas para comunidades nordestinas
No Nordeste, onde diversos povos indígenas resistem, vivem em áreas tradicionais e carregam historicamente batalhas por demarcação, a confirmação do marco temporal significa risco real de perda de territórios reivindicados.
Além disso, a instabilidade jurídica — com avanços, retrocessos, indefinições e liminares — inviabiliza processos de regularização fundiária, impede segurança territorial e fragiliza direitos já consolidados.
Portanto, para essas comunidades, não se trata apenas de terra, mas de preservação cultural, modo de vida, identidade — fatores que o marco temporal ignora em nome de um critério arbitrário e histórico-legal.
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