A transferência dos ativos à iniciativa privada gerou uma retomada das atividades, revertendo um quadro de queda de investimentos
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Pablo Vieira Maia, 29, trabalhava como taxista em Mossoró (RN), a cerca de 280 quilômetros de Natal, quando recebeu um telefonema de representante da petroleira independente brasileira Petrorecôncavo em julho de 2019. A empresa havia acabado de concluir a compra de campos de petróleo da Petrobras no município e precisava de gente para fazer o traslado de funcionários entre a cidade e o aeroporto mais próximo, em Fortaleza (CE).
A Petrorecôncavo assumiu as operações dos campos em dezembro e, ao fim daquele mês, Pablo já tinha quatro funcionários prestando serviços para a empresa. Hoje, são 32 pessoas e uma frota de 24 veículos, incluindo um caminhão para testar o mercado de transporte de cargas.
“Não tinha nem R$ 20 na conta quando comecei. E, como empresas costumam demorar a faturar, precisava pedir dinheiro emprestado aos amigos”, conta ele. Sua Pontual Transportes hoje fatura cerca de R$ 500 mil por mês.
Dados do município mostram que Pablo não é o único que vem se beneficiando da retomada das atividades petrolíferas na região após anos de abandono pela Petrobras, que decidiu focar suas atenções nos campos gigantes do pré-sal e vem se desfazendo de operações de pequeno porte.
A receita com royalties do petróleo até novembro chegou a R$ 27 milhões, 50% superior ao registrado em 2021, já descontada a inflação do período. A expectativa da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) é que o valor some R$ 34 milhões em 2024, o maior desde os R$ 37 milhões de 2014.
Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), o número de postos de trabalho com carteira assinada na cidade cresceu quase 10% em 12 meses, com a abertura de 5,1 mil novas vagas.
A bonança reflete a retomada dos investimentos no polo Riacho da Forquilha, cuja produção dobrou desde a aquisição pela Petrorecôncavo. Para os próximos cinco anos, a empresa prevê a perfuração de cerca de 400 poços não só no Rio Grande do Norte, mas também em outros ativos adquiridos da Petrobras na Bahia.
“Há muito tempo o onshore [termo usado pela indústria para definir a exploração e produção de petróleo em terra] não vê um plano de perfuração tão grande”, diz o presidente da Petrorecôncavo, Marcelo Magalhães.
Em julho, a Petrorecôncavo levantou R$ 1 bilhão em uma segunda oferta de ações na B3, mesmo valor arrecadado na primeira oferta, em 2021. Não foi a primeira empresa do tipo a ir à B3: em novembro de 2020, a 3R estreou em Bolsa com a venda de R$ 690 milhões em ações. Em duas operações posteriores, levantou mais R$ 2,8 bilhões.
O foco dessas empresas são os chamados “campos maduros”, que já produzem petróleo há décadas e necessitam de investimentos para ampliar sua vida útil.
Já no fim do governo Dilma Rousseff a Petrobras decidiu começar a se desfazer de alguns projetos, que produzem menos do que um único poço do pré-sal, movimento que foi acelerado nas gestões Michel Temer e Jair Bolsonaro.
A transferência dos ativos à iniciativa privada gerou uma retomada das atividades, revertendo um quadro de queda de investimentos e do emprego, principalmente em estados do Nordeste, que deixaram de receber investimentos.
“Em 2013 e 2014, foi impressionante, a atividade simplesmente acabou”, recorda Pablo, que trabalhava em um supermercado na época. “Ninguém entendeu o que estava acontecendo.”
A retomada vem sendo impulsionada com a abertura do mercado de gás natural, que abriu uma nova demanda a combustível antes encarado pela estatal como um estorvo.
O estado de Alagoas, por exemplo, hoje é totalmente abastecido por produção privada de gás, da Origem Energia, outra empresa que cresceu na esteira da venda de ativos da Petrobras.
“A Petrobras nunca criou condições propícias para a migração da demanda de combustíveis mais sujos para o gás”, diz o presidente da companhia, Luiz Felipe Coutinho.
Em fevereiro, a empresa comprou da Petrobras seu principal ativo de produção, o Polo Alagoas, que compreende sete campos produtores e infraestrutura de escoamento de tratamento de gás.
A produção cresceu quase três vezes após a troca de operador, com a reabertura de poços e a revitalização da infraestrutura. “Era o polo menos desenvolvido da Petrobras, em função do perfil mais voltado para o gás”, diz Coutinho.
Com o aumento da produção, a Origem já planeja quase dobrar a capacidade da unidade de tratamento de gás e oferecer ao mercado serviço de estocagem do combustível.
Planeja ainda uma térmica para vender energia em leilão do governo e tem um plano robusto de intervenções em poços para ampliar produção, não só em Alagoas, mas também na Bahia, com a contratação de sete sondas.
O segmento espera ganhar ainda mais força com a venda de outros quatro polos terrestres de produção da Petrobras, hoje em fase final de negociações, localizados na Bahia, em Sergipe, no Rio Grande do Norte e no Espírito Santo.
A Seacrest, por exemplo, assinou em fevereiro a compra do polo Norte Capixaba, um dos processos ainda não concluídos. Já opera outro polo adquirido da estatal no mesmo estado e, com os dois ativos, prevê investimentos de US$ 400 milhões (cerca de R$ 2,1 bilhões) para triplicar a produção.
Mas há dúvidas com relação à troca no governo, já que sindicatos que compõem a base de apoio de Lula sempre protestaram contra as vendas de ativos da Petrobras –a equipe de transição chegou a pedir a suspensão de negociações até a posse da nova gestão.
O presidente da Abpip (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo), Anabal Santos Jr, argumenta que essas empresas já geram hoje cerca de 320 mil empregos diretos e indiretos, em uma atividade que tem salários bem acima da média nacional.
“Tenho certeza de que a equipe de transição vai reconhecer inclusive a contribuição que o Nordeste deu na eleição [de Lula] e evitará frustrar a população”, afirma, sugerindo que a Petrobras volte à região com investimentos em energias renováveis, um dos planos do governo eleito.
Santos Jr acrescenta que essas novas empresas podem contribuir também para renovar as reservas brasileiras, já que terão que investir em novas áreas para compensar o declínio natural dos campos que compraram da Petrobras.
Um outro grupo de petroleiras independentes, com maior foco em exploração, diz ele, também vem construindo portfólio no país desde que o processo de abertura se acelerou. “O Brasil explorou apenas 5% de suas bacias sedimentares. Ainda temos muitas fronteiras exploratórias.”
Membro do grupo que trata da transição do setor de energia diz que não existe disposição para reverter vendas de ativos já concluídas, até pela falta de justificativas para que a estatal gaste dinheiro com a compra de projetos de porte tão pequeno.
A fonte ouvida pela Folha concorda que uma solução para manter a Petrobras na região Nordeste seria migrar o foco para outras atividades, como energias renováveis ou petroquímica, por exemplo.
TEXTO: Nicola Pamplona – FONTE:Folhapress