Desde 10 de março, por determinação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ligações de telemarketing começaram a ser identificadas pelo prefixo 0303. Mas, quase um mês depois, ainda há quem receba dezenas de chamadas indesejadas por dia sem qualquer identificação.
É o caso de Babi Magalhães, advogada e publicitária de Belo Horizonte (MG). Ela diz que chega a receber 20 ligações por dia, e até agora não viu uma sequer que começasse com o tal prefixo.
“Comigo rola sempre no fim do mês. Depois somem. A sorte que só uso o celular no ‘não perturbe'”, contou ela a Tilt.
Afinal, aquele papo de que toda ligação de telemarketing começaria com 0303 ficou só na promessa? Não é bem assim. A determinação de 10 de março valeu apenas para chamadas originadas de telefones celulares, que, segundo a ABT (Associação Brasileira de Telesserviços), são a minoria.
“As ligações a partir de telefones fixos têm prazo de transição maior por conta da necessidade maior de adaptação das redes fixas”, diz Cláudio Tartarini, sócio do escritório Souza Neto Advogados e coordenador do Comitê Jurídico da ABT. Para empresas que usam números fixos, o 0303 só será obrigatório a partir de 10 de junho.
Até agora, cerca de 320 números de telefone começaram a usar o 0303, segundo dados da Anatel compartilhados com Tilt. Mas isso não significa que há 320 empresas já identificadas pelo 0303. Há companhias que usam dezenas (ou centenas) de números diferentes, e nem todos foram atualizados.
Mesmo assim, pessoas como Babi continuam recebendo ligações indesejadas de telefones fixos, móveis e continuarão recebendo mesmo depois de 10 de junho. Por que isso acontece? Segundo a Anatel, o problema é mais complexo do que parece.
Não vale para todos
A ordem de usar o 0303 só vale para empresas que realizam telemarketing ativo — isto é, quando a companhia procura você com ofertas de produtos e serviços por ligações ou mensagens de texto. Empresas de cobrança ou grupos pedindo doações não precisam usar o prefixo.
Além disso, segundo a Anatel, o problema é que existem muitas empresas “piratas” de telemarketing atuando no Brasil. Elas não cumprem todas as regras e muitas vezes usam técnicas de golpistas para entrar em contato com possíveis clientes.
Uma dessas técnicas é o spoofing, que usa programas de computador para esconder o número real de quem está ligando, para que a empresa não caia em filtros de spam ou seja bloqueada por meio de programas como o Não Me Perturbe.
É por isso que você pode receber diversas ligações de uma mesma empresa, vindas de números diferentes, que conseguem furar o filtro de spam automático do celular.
“O uso de ligação a partir de celulares de difícil identificação (números não atribuídos a qualquer CPF ou CNPJ) é uma das principais fontes de incômodo aos usuários, pois permitem a ocultação de quem promove o incômodo, prática não adotada pelas associadas da entidade, que têm padrões rígidos de conduta”, diz Tartarini, da ABT.
Segundo relatório global lançado pelo aplicativo Truecaller, em dezembro do ano passado, cada brasileiro recebe, em média, 32,9 chamadas indesejadas por mês. Pela quarta vez consecutiva, o país liderou o ranking de ligações de produtos e serviços não solicitados.
Separando o joio do trigo
“As pessoas estão confusas, achando que o 0303 vai acabar com todas as ligações indesejadas, mas não vai”, diz Secundino Lemos, especialista em regulação da Anatel. Segundo ele, o novo prefixo tem uma função muito específica: mapear quais são os números que pertencem a empresas legítimas e que seguem as regras.
“Vamos poder separar o joio do trigo: essa é a principal função do 0303. Depois, com fiscalização, vamos penalizar os ruins”, afirma. Mas, segundo ele, encontrar esse “joio” ainda é um desafio.
Isso porque a Anatel não quer acabar com todas as ligações de telemarketing: o setor emprega mais de 400 mil pessoas no Brasil, só entre as associadas à ABT. O desafio é encontrar uma maneira de identificar os números que incomodam e dar ao consumidor a opção de atendê-los ou não.
“É a operadora quem deve prover os meios tecnológicos necessários para que o usuário possa satisfazer o seu direito de bloquear um telefone”, diz Lemos.
Ele afirma que a Anatel está trabalhando com as prestadoras de serviço de telefonia em tecnologias que permitam identificar qual número é telemarketing e qual não é.
Uma das ferramentas em estudo pela Anatel é a chamada STIR/SHAKEN, usada nos Estados Unidos desde 2021. A tecnologia rastreia ligações para verificar se a origem é real, e não um programa de computador usado para mascarar a identidade de quem chama.
Mas, mesmo nos EUA, o sistema não é perfeito. O filtro ainda não é aplicado em toda a rede, nem por todas as operadoras. Por lá, há relatos de consumidores que recebem mensagens de spam vindas do seu próprio número de telefone, graças a empresas de telemarketing que escondem suas chamadas com spoofing.
Uma solução que agrade a todos, porém, ainda vai demorar e deve sair cara, diz Secundino. Procurada, a Conexis, associação que representa as principais operadoras de telefonia do Brasil, disse apenas que elas “não identificam quais empresas utilizam seus acessos para telemarketing”.
O que fazer?
Enquanto o problema não é resolvido na fonte, a sugestão dos especialistas é que os consumidores se virem como podem. Veja algumas estratégias:
1. Direto na operadora de telefonia
A primeira alternativa é entrar em contato com sua operadora e solicitar o cancelamento de ligações do tipo. Verifique o número de atendimento ao consumidor e siga os passos dados na ligação.
2. Não Me Perturbe
O método mais conhecido, e bem eficiente, é recorrer à plataforma “Não Me Perturbe”, iniciativa da Anatel que permite bloquear ligações de instituições financeiras e prestadoras de serviços de telecomunicações. Quase 10 milhões de telefones indesejados já foram cadastrados lá pelos brasileiros.
O acesso é gratuito e não requer instalar qualquer aplicativo no celular ou computador. Veja como é simples fazer:
Acesse o site www.naomeperturbe.com.br;
Na página inicial, clique em “Fazer login” (caso já seja usuário) ou “Quero me cadastrar” (e preencha o formulário com dados pessoais);
Na sua página, clique em “Novo bloqueio”;
Na tela de “Solicitar bloqueio”, insira seu número de telefone e marque as empresas das quais não deseja receber chamadas de telemarketing;
Clique em “Não sou um robô” e em “Validar bloqueio”;
Preencha o código de 6 dígitos enviado por SMS;
Veja o comprovante de solicitação de bloqueio.
Pronto! Em até 30 dias, estes números serão impedidos de ligar para você.
3. No próprio celular
É possível bloquear números específicos diretamente no smartphone, seja Android ou iPhone. Basta selecionar o número que te ligou e ir nas configurações da chamada. Procure uma opção como “Bloquear este chamador” ou “Bloquear/desbloquear número” (menus dependem do modelo do aparelho).
Assim, o próprio celular vai impedir que qualquer ligação deste único contato seja completada. Mas seus ramais e variantes continuarão liberados.
4. Bloquear desconhecidos
Não é a melhor opção, pois não diferencia o que é telemarketing ou não. Mas é uma alternativa. Se ativada, todas as chamadas de números que não estão na agenda do celular serão recusadas — isso pode fazer você perder contatos importantes.
Para ativar a função, siga os seguintes caminhos:
No iPhone: “Ajustes” > “Telefone” > “Silenciar Desconhecidos”
No Android: “Ligações” > “Configurações” > “Números bloqueados” > “Desconhecidos”
5. Por aplicativos
Há diversos aplicativos que fazem o serviço de bloqueio de chamadas e/ou identificam quem está ligando, de acordo com um banco de dados colaborativo. A dica é baixar apenas apps das lojas oficiais (Play Store, Apple Store, Galaxy Store), e que sejam bem avaliados. Alguns dos mais recomendados são: Hiya, Whoscall e o Truecaller.
FONTE: UOL