As portas do Museu Ferroviário Estação João Felipe estão agora abertas, proporcionando aos visitantes uma jornada única pelos trilhos da memória. O acervo valioso, cuidadosamente preservado e organizado pela comunidade ferroviária, encontrou uma nova casa, tornando-se um ponto de encontro obrigatório para uma imersão nos principais capítulos da formação do Ceará.
Este recentemente inaugurado museu é parte integrante da Rede Pública de Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult Ceará). Associando-se à Pinacoteca do Estado do Ceará, ao Kuya – Centro de Design do Ceará, ao Mercado AlimentaCE e à Estação das Artes, forma o Complexo Cultural Estação das Artes, gerido em colaboração com o Instituto Mirante de Cultura e Arte.
As peças em exposição têm origem no antigo Museu do Centro de Preservação da História Ferroviária do Ceará, que operou até 1999 nas antigas oficinas da “Estrada do Urubu” (oficinas Demosthenes Rockert), no bairro Carlito Pamplona. Esse espaço pioneiro de preservação foi coordenado pela Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e apoiado pela Associação de Engenheiros da Rede Viação Cearense (AERVC).
Agora, rebatizado com o nome da centenária Estação Ferroviária João Felipe, ocupa um dos antigos galpões da RFFSA e abriga a exposição de longa duração intitulada “Nos trilhos do tempo. Histórias da ferrovia do Ceará”, com curadoria a cargo de André Scarlazari e Marcus Braga.
A cerimônia de inauguração teve lugar em novembro de 2023, mas as atividades do Museu Ferroviário Estação João Felipe começaram em janeiro de 2023, atendendo ao público no prédio da Associação dos Ferroviários Aposentados do Ceará (AFAC). Até outubro, período em que funcionou nesse endereço temporário, recebeu mais de 13 mil visitantes durante 201 ações realizadas. Agora, 150 anos após a primeira viagem de trem no estado em 30 de novembro de 1873, os cearenses testemunham uma nova fase deste importante território de conhecimento histórico..
Lugar da memória
“A memória que não encontra registro corre o risco de ser esquecida. Ao estabelecermos o Museu, damos vida a essa história. Os trilhos foram verdadeiros desbravadores do interior do Ceará, contribuindo significativamente para o crescimento de muitas cidades, tanto ao longo da linha Norte quanto da Sul”, destaca Francisco Sobreira (84), presidente da AFAC.
O entusiasmo é compartilhado por Jesus Félix de Souza (81), que tem suas raízes ligadas ao universo ferroviário desde o nascimento. “Sou descendente de ferroviário. Meu pai era maquinista, ou seja, já nasci dentro de um trem”. Originário de Cedro, seu caminho se cruzou com a Estação João Felipe devido a uma inovação tecnológica no setor ferroviário. “Meu pai foi transferido para Fortaleza para concluir os últimos anos como maquinista aqui. Com a transição da locomotiva a vapor para a diesel, ele se aposentou”, relata Félix, que iniciou seu trabalho na RVC em fevereiro de 1957.
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O acervo do Museu representa décadas de serviços e realizações que deixaram uma marca na população, documentando eventos significativos ao longo das estações e linhas que cruzavam o Ceará. Vicente Maciel (79), maquinista aposentado, destaca a tradição de passar a experiência de trabalho de pais para filhos.
Durante a entrevista, Vicente compartilhou vivências ao longo dos anos na ferrovia. Ele fez questão de apresentar um vídeo no qual exibia e mostrava com orgulho o uniforme que guarda até hoje, incluindo o intricado nó “cara de gato” na gravata que compunha o traje.
Relembrando momentos marcantes, Vicente mencionou ter recebido a Medalha de Mérito Ferroviário. Como maquinista, recorda-se de guiar trens imponentes pelo interior e até fora do estado. Ao mencionar sua primeira viagem turística operando o trem “Litorina” (trecho ferroviário de Fortaleza a Baturité), destaca a ilustre passageira que conduziu. “Era ninguém menos que Rachel de Queiroz. Ela viajou até Baturité”, relata.
Com a concepção do Complexo Cultural Estação das Artes, surge um novo capítulo para o Museu Ferroviário, agora sob um projeto museológico reformulado e uma gestão compartilhada entre a Secult Ceará, Instituto Mirante, e a AERVC, com a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Este renascimento é baseado em um inventário de objetos e documentos, aliado a um novo Termo de Cooperação Técnica entre as partes envolvidas, visando sua revitalização e consolidação.
Dotado de uma rica coleção de objetos e documentos, o Museu Ferroviário Estação João Felipe se configura como um espaço cultural propício para pesquisas, encontros, diálogos e aprendizado. Além de registrar a história ferroviária do Ceará, o museu destaca a contribuição das mulheres, como o caso da ferroviária Ana Angélica (1935-2023), professora do Centro Educacional Paulo Sarasate e participante ativa no antigo Museu do Centro de Preservação da História Ferroviária do Ceará.
Maria Erivany Soares, Diretora de Comunicação Social da Associação dos Ferroviários Aposentados do Ceará (AFAC), enfatiza a importância do museu na preservação da identidade cearense, salientando que o desenvolvimento socioeconômico do Ceará teve início com o advento da ferrovia, primeiro com a Rede de Viação Cearense (RVC) e posteriormente com a unificação das ferrovias estaduais e a criação da RFFSA.
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A inauguração não apenas marca a nova morada do Museu Ferroviário, mas simbolicamente representa um retorno ao local de origem, a Estação João Felipe, agora pulsante como o Complexo Cultural Estação das Artes. Erivany destaca como esse acervo pode rastrear o surgimento de inúmeras famílias devido à influência da ferrovia, oferecendo à sociedade cearense a oportunidade de compreender suas raízes e extrair lições para o futuro.
Referindo-se à suspensão do transporte de passageiros com a extinção da RFFSA, a referência ferroviária lamenta as consequências dessa decisão do governo neoliberal da época, destacando que a empresa tinha um objetivo social bem definido, e não visava apenas o lucro.
André Scarlazzari, co-curador da exposição “Nos trilhos do tempo. Histórias da ferrovia do Ceará”, em exibição no Museu Ferroviário, descreve o processo de produção da mostra, ressaltando a colaboração com a Associação dos Engenheiros, detentores do acervo. Ele destaca a união dos ferroviários como uma grande família e um fenômeno notável ao longo desse projeto de revitalização, que culminou na inauguração após dois anos de esforço conjunto.
Museu Ferroviário Estação João Felipe
Visitas de quinta-feira a sábado (12h às 20h); e aos domingo (10h às 18h).
Acesso até 30 min antes do fechamento.
Gratuito