No sertão nordestino, onde o sol castiga o chão e a paisagem se estende até perder de vista, um canto ancestral resiste ao tempo: o aboio. Mais do que uma técnica para conduzir o gado, o aboio é uma expressão poética, musical e emocional dos vaqueiros, símbolo vivo da identidade cultural do povo sertanejo.
Origens do Aboio no sertão nordestino
A origem do aboio remonta aos tempos coloniais, tendo surgido como uma prática de vaqueiros durante a expansão da pecuária no interior do Nordeste. Embora seja uma manifestação tipicamente brasileira, estudiosos apontam que ele carrega influências africanas e ibéricas.
Dessa maneira, os escravizados africanos, principalmente os de origem banto, já usavam cantos melódicos de chamada para o gado, juntamente com os imigrantes portugueses e suas cantigas medievais. Esses cantos se fundiram aos modos de vida dos vaqueiros nordestinos e à religiosidade popular, dando origem ao aboio como conhecemos.
A princípio, a tradição se espalhou entre os séculos XVII e XVIII, acompanhando a pecuária que crescia nos sertões de Pernambuco, Bahia, Alagoas, Paraíba, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.
Porém, o som prolongado e melancólico do aboio não apenas direcionava o gado, mas também aliviava a solidão do vaqueiro, servindo como forma de expressão espiritual e emocional nas vastas paisagens sertanejas.
O que é o aboio?

O aboio é um canto melódico, longo e cadenciado, geralmente entoado durante a lida com o gado. Seus versos são muitas vezes improvisados, rimados, e tratam de temas como a vida no campo, a fé, a saudade e o amor.
Além de sua função prática, o aboio se tornou uma forma de poesia oral, transmitida de geração em geração, e hoje é reconhecido como símbolo da cultura nordestina.
Onde essa tradição resiste
O aboio segue vivo em muitas regiões do Nordeste, especialmente nos sertões do Ceará, Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte. Cidades como Serrita (PE) — com sua tradicional Missa do Vaqueiro — e Canindé (CE), com a Festa do Vaqueiro, são polos dessa cultura.
Guardião de memórias: nomes que mantêm o aboio vivo
Entre os vaqueiros, poetas e artistas que dedicam suas vidas à preservação da tradição, destacam-se:
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Pedro Tenório (AL): vaqueiro, poeta e aboiador com trajetória documentada no filme “Pedro Tenório: And The hoe of an illiterate Poet”. Símbolo vivo da resistência cultural do campo.
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Luzia Batista (PE): poetisa iletrada, que teve seus versos eternizados no livro “Poesia Sonhadoura” junto com a pesquisadora e poetisa Isabelly Moreira, que reúne poemas inspirados no cotidiano sertanejo com forte ligação ao aboio. Uma das raras mulheres nesse universo.
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Manoelzinho do Aboio (RN): conhecido por sua voz marcante nas vaquejadas potiguares, deixou um legado após seu falecimento em 2021.
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Mestre Zé de Cazuza (PE): personagem popular em eventos de vaquejada e defensor do canto tradicional.
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Zé Calixto (PB): mestre da sanfona e aboiador, fundiu o aboio com o forró e outras expressões musicais nordestinas.
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Ivanildo Vilanova (PE): reconhecido repentista e defensor da cultura sertaneja, com forte ligação com o aboio em seus versos.
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Aboio: patrimônio e arte
Assim, com forte carga simbólica, o aboio tem sido reconhecido como patrimônio cultural imaterial por movimentos culturais e projetos de lei em diversos estados. Além de estar nos campos, ele agora chega aos livros, documentários e salas de aula.
Afinal, projetos como o Festival do Aboio e da Poesia Sertaneja e o Museu do Vaqueiro de Serrita ajudam a registrar essa herança viva, promovendo a valorização da figura do vaqueiro nordestino.
Mais que um canto, uma identidade
Portanto, o aboio é resistência, arte, memória e emoção. Em cada verso ecoado pelos vaqueiros nordestinos está a força de um povo que transforma a dureza da vida em poesia. Um canto que fala do campo, mas que atinge fundo a alma de quem o escuta.
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