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Cotidiano

UFC libera patente de curativo biológico de pele de tilápia

O curativo tem caráter oclusivo e temporário, indicado para queimaduras e feridas tanto em humanos quanto em animais.
Eliseu Lins, da Agência NE9
20 de novembro de 2025 - às 07:22
Atualizado 20 de novembro de 2025 - às 07:22
5 min de leitura
A pele do peixe na mão de médico
A pele do peixe já tem diversas aplicações Foto Viktor Braga UFC

A Universidade Federal do Ceará (UFC) firmou, no dia 10 de novembro, um contrato com o consórcio Biotec’s (composto pelas empresas Biotec Solução Ambiental Indústria e Comércio e Biotec Controle Ambiental) para o licenciamento da tecnologia de produção de curativo biológico a partir da pele de tilápia liofilizada. A iniciativa marca um passo decisivo para levar o tratamento a um estágio comercial.

Desenvolvida desde 2015 por médicos-pesquisadores da UFC — sob a coordenação de Edmar Maciel Lima Júnior e Marcelo José Borges de Miranda —, a técnica utiliza instalações do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da universidade para validar a pele do peixe como biotecido regenerativo.

O curativo tem caráter oclusivo e temporário, indicado para queimaduras e feridas tanto em humanos quanto em animais. Com o acordo, o consórcio Biotec’s detém direito exclusivo para uso, desenvolvimento, produção, exploração comercial e também prestação de serviços com o produto, incluindo a fabricação de um kit para aplicação.

De acordo com o contrato, a empresa será responsável por financiar todo o processo de escalonamento: isso inclui estudos de eficácia, testes clínicos para avaliar reações alérgicas ou sensibilização, e a obtenção das autorizações regulatórias, como da Anvisa para uso humano — e também autorizações para uso veterinário.

A previsão é ambiciosa: a comercialização pode começar em até cinco anos para uso humano e em três anos para animais, segundo cláusulas contratuais. A duração total do contrato de licenciamento é de 14 anos.

A pele do peixe já tem diversas aplicações Foto Viktor Braga UFC

Aspectos financeiros e propriedade intelectual

Para obter acesso à tecnologia, o consórcio Biotec’s pagará um valor inicial de R$ 850 mil à UFC e aos pesquisadores titulares da patente. Além disso, repassará 3,7% da receita líquida obtida com a exploração comercial da tecnologia, percentual que será distribuído entre a universidade e os inventores.

A UFC, no entanto, mantém plena liberdade para continuar pesquisando a pele de tilápia: o contrato não impede novas investigações. Tanto que, no final de outubro, a universidade inaugurou um laboratório específico de 225 m² no NPDM dedicado à pele de tilápia. Caso novos desenvolvimentos resultem em melhorias (ou “ativos intelectuais”), os direitos poderão ser compartilhados com a empresa licenciada ou permanecer integralmente na UFC, dependendo da natureza da inovação.

Importância do papel da universidade pública

Esse avanço evidencia um papel central das universidades públicas no desenvolvimento científico e social. A UFC não apenas criou a tecnologia, mas também conduziu in loco toda a pesquisa, desde os estágios iniciais até os testes clínicos. A transferência tecnológica via licenciamento demonstra uma ponte eficiente entre a pesquisa acadêmica e o mercado, garantindo que inovações científicas beneficiem a população, especialmente nas regiões com menor acesso a tratamentos caros.

Além disso, o retorno financeiro por meio de royalties permite que a universidade reinvista em novas pesquisas, fortalecendo ainda mais a ciência pública. A criação do laboratório dedicado mostra que a instituição continua comprometida com o avanço de conhecimento, sem deixar de lado a missão de servir ao bem social.

Benefícios potenciais

De acordo com a própria UFC, o curativo de pele de tilápia pode trazer diversas vantagens:

  • Redução da dor nas trocas de curativo, já que tende a permanecer por mais tempo sobre a lesão.
  • Menor risco de infecção e hospitalização prolongada.
  • Economia de insumos médicos e menor carga de trabalho para equipes de saúde.
  • Aplicações diversas: além de queimaduras, a pele de tilápia tem sido estudada para úlceras, cirurgias de reconstrução vaginal, redesignação sexual e uso veterinário.

Perspectivas para o SUS

O biocurativo tem potencial para ser incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a revista institucional da UFC, a ideia é produzir em larga escala kits para distribuição por meio do sistema público, beneficiando principalmente pacientes mais vulneráveis.

Tabela: Processo de Tratamento com o Curativo de Pele de Tilápia

EtapaDescriçãoObjetivo / Justificativa
1. Produção da pele liofilizadaPele de tilápia (Oreochromis niloticus) é processada por liofilização (desidratação a frio sob vácuo)Preservar a estrutura do tecido e tornar o curativo estável, fácil de armazenar e transportar.
2. Esterilização e embaloApós liofilização, o material é esterilizado (por exemplo, com radiação) e embalado a vácuoGarantir segurança microbiológica e durabilidade do biomaterial
3. Testes pré-clínicosEnsaios laboratoriais e experimentos em modelos animaisValidar biocompatibilidade, integridade estrutural e funcionalidade regenerativa do curativo
4. Estudos clínicos (fase II)Ensaios controlados em humanos com queimaduras (ex: estudo com 24 participantes de segundo grau) Avaliar eficácia, tempo de cicatrização, dor, necessidade de troca de curativo, segurança
5. Aprovações regulatóriasSubmissão a agências reguladoras como Anvisa para uso humano e veterinárioObter autorização para comercialização e uso clínico seguro
6. Escalonamento industrial / produção em massaEstrutura industrial sob responsabilidade da empresa licenciadaProdução em larga escala para kits de curativos biológicos
7. Distribuição e aplicação clínicaFornecimento para hospitais, clínicas, veterinários e, possivelmente, SUSUso prático nas unidades de saúde, beneficiando paciente humano e animal
8. Monitoramento e pós-mercadoEstudos de longo prazo, vigilância de reações adversas e melhoria contínuaAssegurar segurança, eficácia e possibilitar melhorias tecnológicas

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Eliseu Lins

Eliseu Lins é baiano de nascimento e paraibano de coração. Jornalista formado na UFPB, tem mais de 20 anos de atuação na imprensa do Nordeste. É pós-graduado em jornalismo cultural e ocupa o cargo de editor-chefe do NE9 desde 2022.