Resgatada pelas rendeiras daquele município desde o período colonial, arte cheia de detalhes revela beleza e sofisticação
Localizado a 41 km de Aracaju, o município de Divina Pastora, situado no Leste sergipano, é marcado por um talento em particular: o bordado. Trata-se da renda irlandesa, que representa a identidade do povo divina-pastorense no artesanato. Aliás, a cidade se destaca no cenário turístico nacional pela produção dessa renda tão cheia de delicadeza e requinte. Inclusive, é uma confecção artesanal reconhecida em 2008, pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Com base em tradições seculares da Europa do século XVII, os saberes e fazeres tradicionais resgatados pelas rendeiras divina-pastorenses desde o período colonial resultam em minuciosos detalhes. Eles combinam uma multiplicidade de pontos executados sob relevo em desenhos feitos com uma agulha, tendo como suporte papel-manteiga, papel-madeira e lacê, produto industrializado que se apresenta sob várias formas, a exemplo do cordão. Assim, as peças delicadas nascidas dessa mescla revelam beleza e sofisticação.
Para dar oportunidade às artesãs de incluírem as peças na cadeia produtiva desse artesanato, há 23 anos, foi criada a Associação para o Desenvolvimento de Renda Irlandesa de Divina Pastora (Asderen). Com sede própria, a entidade possui, atualmente, 60 associadas com idades entre 14 e 80 anos. É lá onde as rendeiras se reúnem para produzir peças sob encomenda, que vão de artigos para o vestuário, a exemplo de blusas e vestidos, até toalhas de mesas, jogos americanos, colares, dentre outros.
A vice-presidente da Asderen, Maria José Souza, que aprendeu o ofício aos 8 anos com uma tia, reflete que o fazer renda irlandesa não se limita simplesmente a um trabalho manual. Para ela, é um ofício que proporciona uma viagem ao imaginário feminino. “Quando nos reunimos para bordar, além da distração e da reflexão, também acabamos compartilhando as nossas histórias, alegrias, angústias. Enfim, também é uma forma peculiar que permite uma imersão em nós mesmas”, considera.
Transmissão dos saberes
É fato: desde cedo, as meninas de Divina Pastora aprendem a arte da renda irlandesa. Isso ocorre por meio das mulheres da família que, diariamente, convivem com tal ofício. E o fazem tanto para gerar renda com a produção de peças, como para preservar os saberes, perpetuando a renda irlandesa como trabalho e arte.
Bolsas, toalhas e roupas são exemplos das peças produzidas pelas mãos hábeis de Dona Alzira Alves, que, com destreza, transforma cordões e linhas em obras de arte. Mestra da renda irlandesa, ela é uma das mais antigas artesãs em atividade nessa prática não somente em Divina Pastora, mas, também, em todo o estado de Sergipe, acumulando mais de 50 anos dedicados à arte de rendar. “Aprendi a bordar por volta dos 12 anos com minha tia Sinhá e, até hoje, não parei. Na verdade, muito mais que um ofício, para mim, é uma terapia, porque é aqui na associação onde venho todos os dias, ou pela manhã ou de tarde, me distrair, fazendo o que mais gosto”, afirma.
A artesã Verônica Leite também aprendeu o ofício de bordar peças em renda irlandesa ainda criança. Muito curiosa, assimilou os primeiros passos desse ofício só de olhar. “Quando minha mãe percebeu meu interesse, começou a me dar pequenas peças. Aos poucos, me aperfeiçoei nas técnicas e pontos. Posso dizer que amo o que faço e, ao final de qualquer peça que produzo, sinto um orgulho danado”, declara.
Na família de Neidiele de Jesus Silva, presidente da Associação das Rendeiras Independentes de Divina Pastora (Asdrin), bordar renda irlandesa é uma tradição há mais de 50 anos, sendo repassada de geração a geração. “Minha avó, minhas tias, minha mãe [praticam a arte da renda irlandesa]. Atualmente, as crianças, que são minhas primas, também estão aprendendo”, revela.
Segundo Neidiele Silva, no município, há famílias em que essa arte está inserida há mais de cem anos, com até quatro gerações de ensinamento. “A renda irlandesa é nosso maior orgulho, afinal, trata-se de uma renda de agulha que é completamente delicada”, salienta. Maria das Graças Sampaio, artesã que também faz parte da Asdrin, confirma o fato e ainda afirma. “Há mais de 40 anos, produzo peças em renda irlandesa, e quanto mais trabalho, mais me aperfeiçoo”.
Do significado ao aprender
Em março, a Asdrin vai promover a primeira oficina de renda irlandesa. A inscrição é gratuita, voltada a jovens ou qualquer pessoa da cidade que tenha interesse em aprender a bordar a renda irlandesa. O conteúdo vai incluir desde a parte histórica dessa arte até chegar aos módulos da confecção, para que o aprendiz – homem ou mulher – entenda e valorize a renda irlandesa.
Serão disponibilizadas 20 vagas por turma em dois turnos – manhã e tarde –, durante três semanas, com duas horas cada aula. Todo o material será disponibilizado pela associação e ao final do curso será entregue certificado. As inscrições podem ser realizadas até o final de fevereiro, e a previsão de início das aulas é dia 6 de março. O telefone para contato é (79) 98856-7749.
Espaço garantido
O secretário de Estado do Turismo, Marcos Franco, garante que a renda irlandesa tem espaço garantido, inclusive, para outros municípios onde ela é praticada. Prova disso é o incentivo e a divulgação dessa arte em feiras e eventos em que a Setur participa, como aconteceu no mês de janeiro, durante a Expo Verão 2023, realizada na Orla de Atalaia. No estande da Setur no evento, foram expostos e comercializados artigos de renda irlandesa de Divina Pastora, possibilitando gerar renda para as artesãs.
“Sergipe é belíssimo e tem muito a mostrar. A renda irlandesa é um exemplo disso. É uma arte secular que é patrimônio nosso. Ficamos orgulhosos em poder divulgá-la por onde passarmos”, assegura Marcos Franco. Ele ressalta, inclusive, que o governador Fábio Mitidieri constantemente afirma o turismo como prioridade no governo, com projetos para fortalecer os atrativos turísticos em todo o Estado e inseri-lo no circuito turístico de forma permanente. “Com o apoio do governador, estamos empenhados em alavancar o nome de Sergipe”, reforça.