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Quebra de Xangô: a luta do Nordeste pela cultura afro

Um conjunto raro de 216 peças sacralizadas, que incluem instrumentos musicais, indumentárias, estatuetas e insígnias, roubadas de terreiros em Alagoas durante o maior ataque registrado no Brasil às religiões de matriz africana, em 1912, pode finalmente receber o merecido reconhecimento. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está em vias de tombar esse acervo como patrimônio cultural brasileiro.

O episódio, conhecido como “Quebra de Xangô”, ocorreu em 2 de fevereiro de 1912, há exatos 112 anos, quando cerca de 70 casas de religiões afro-brasileiras em Maceió e cidades vizinhas foram alvo de invasões, vandalismo e roubo de objetos sagrados por um grupo chamado Liga dos Republicanos Combatentes. O ataque, motivado por questões políticas e intolerância religiosa, marcou um dos momentos mais sombrios da história brasileira.

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Resgate da cultura afro

Os objetos roubados, expostos pelos agressores como troféus, tornaram-se evidências do crime e, posteriormente, foram resgatados, recebendo o nome de Coleção Perseverança. Essa coleção, composta por peças de inestimável valor histórico e cultural, atualmente está sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL).

Segundo o historiador Clébio Correia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o ataque a terreiros de forma tão sistemática é um evento único na história brasileira, evidenciando a organização e a violência do grupo responsável. Essa coleção de objetos representa não apenas a resistência das religiões afro-brasileiras, mas também a luta pela preservação da memória e da identidade cultural.

Atualmente, as peças da Coleção Perseverança apresentam sinais de desgaste, mas estão relativamente bem preservadas. O processo de tombamento pelo Iphan não apenas garantirá a proteção e conservação desses objetos, mas também promoverá ações de difusão e educação patrimonial para conscientizar o público sobre esse capítulo importante e muitas vezes invisibilizado da história brasileira.

Tombamento envolve comunidade

Além disso, o tombamento envolve a participação da comunidade religiosa afro-brasileira no processo de valorização e significação cultural dessas peças. Espera-se que, após o tombamento, medidas adicionais sejam tomadas. Tudo isso para ampliar o conhecimento sobre esse episódio e promover a inclusão dessas narrativas nos espaços de memória e educação.

Mãe Neide Oyá D´Oxum, uma das lideranças religiosas envolvidas no trabalho com o Iphan, destaca a importância desses objetos como símbolos de resistência e afirmação da identidade afro-brasileira. Ela ressalta que o reconhecimento do episódio pelo governo de Alagoas em 2012 foi um passo importante, mas o tombamento da Coleção Perseverança representa um marco na preservação da memória e na reparação histórica.

Para a professora Larissa Fontes, da Universidade Lumiere Lyon, a coleção é um documento essencial para a compreensão da memória religiosa em Alagoas. Por isso, merece um projeto sério de restauro e salvaguarda. Seu trabalho de pesquisa sobre as peças visa preencher lacunas e recuperar o conhecimento perdido sobre as tradições religiosas afro-brasileiras.

O processo de tombamento da Coleção Perseverança representa não apenas a proteção do patrimônio cultural brasileiro. Mas também um ato de justiça histórica e reconhecimento da contribuição das religiões afro-brasileiras para a diversidade cultural do país. É um passo importante na luta contra a intolerância religiosa e na promoção da valorização da cultura afro-brasileira.

Foto: OAB-AL

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