Por décadas, o arquipélago de Galápagos, no Equador, reinou absoluto no imaginário popular e científico como o epicentro máximo da biodiversidade única no planeta, lar de espécies icônicas como tartarugas-gigantes e iguanas-marinhas. Mas um novo e revolucionário estudo científico acaba de abalar esse reinado e colocar o Nordeste no centro do mapa global da biodiversidade marinha.
Publicado nesta quarta-feira (10) na renomada plataforma Peer Community Journal, o estudo “Escalas de Endemismo Marinho em Ilhas Oceânicas e o Endemismo Provincial-Insular” revela que as ilhas oceânicas brasileiras – notadamente Fernando de Noronha (PE), Atol das Rocas (RN), Arquipélago de São Pedro e São Paulo (PE) e Trindade (ES) – possuem uma concentração de espécies endêmicas (únicas daquele local) tão impressionante que pode colocá-las no mesmo patamar, ou até superar, a diversidade única de Galápagos.
Um novo conceito que muda tudo
A princípio, a grande inovação do estudo, liderado pelo pesquisador Hudson Pinheiro, da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), foi analisar mais de 7.000 espécies de peixes recifais em 87 ilhas ao redor do mundo e propor um novo conceito científico: o “Endemismo Provincial-Insular”.
Antes, uma espécie só era “endêmica” se fosse exclusivamente de uma única ilha. O estudo mostrou que 40% das espécies analisadas habitam várias ilhas de uma mesma região (como o conjunto Noronha-Rocas-São Pedro e São Paulo), mas não são encontradas no continente próximo.
“Por exemplo, a Ilha de Fernando de Noronha tem algumas espécies que só ocorrem ali, mas também tem muitas espécies que ocorrem ali e na Ilha do Atol das Rocas. Ou somente em Fernando de Noronha e na Ilha de São Pedro e São Paulo. Então, elas compartilham algumas espécies que não estavam sendo contadas como endêmicas”, explica Pinheiro.
Ao mesmo tempo, essa descoberta significa que o patrimônio biológico único desses arquipélagos é muito maior do que se imaginava.
A relevância global das ilhas nordestinas
A aplicação desse novo conceito eleva dramaticamente a importância conservacionista das ilhas oceânicas brasileiras. Elas deixam de ter isolamento de endemismo e passam a ter reconhecimento como províncias biológicas únicas, um conjunto de ecossistemas interligados com uma biodiversidade que não existe em nenhum outro lugar da Terra.
“O trabalho de campo tem contribuído para um levantamento mais apurado da nossa biodiversidade. Temos encontrado e descrito muitas novas espécies que são endêmicas, exclusivas das nossas ilhas. E, com isso, a gente observa que as ilhas brasileiras têm uma importância mundial muito grande”, destaca o pesquisador.
Vulnerabilidade e a corrida contra o tempo
A descoberta traz também um alerta urgente. Por serem ecossistemas isolados e de difícil estudo, essas espécies são extremamente vulneráveis.
“As Ilhas oceânicas dependem de expedições científicas e, consequentemente, acabam tendo menos oportunidades de estudos. Então, corre o risco de ocorrer algumas extinsões de espécies antes da própria descoberta delas”, adverte Pinheiro.
O aquecimento global agrava este cenário. Diferente do continente, onde espécies podem migrar para latitudes mais frias, as espécies endêmicas das ilhas oceânicas não têm para onde fugir de mudanças bruscas de temperatura.
Onde se encontra a maior biodiversidade única?
O estudo posiciona o conjunto de ilhas oceânicas brasileiras entre os locais com a maior proporção de endemismo do planeta. A tabela abaixo ilustra como esse novo conceito eleva a importância das nossas ilhas no ranking global:
Arquipélago / Localidade | Status Tradicional (Espécies Endêmicas de uma única ilha) | Status com o Novo Conceito (Endemismo Provincial-Insular) | Principais Ameaças |
---|---|---|---|
Galápagos (Equador) | Alto | Alto (já era reconhecido como província única) | Espécies invasoras, turismo excessivo |
Hawaii (EUA) | Alto | Alto (já era reconhecido como província única) | Espécies invasoras, desenvolvimento urbano |
Ilhas Oceânicas do Nordeste (Noronha e São PEdro e São Paulo) | Moderado | ALTÍSSIMO | Mudanças climáticas, pesca predatória, poluição |
Caribe | Baixo (espécies amplamente distribuídas) | Moderado | Turismo massivo, doenças coralíneas |
Um esforço coletivo para proteger um patrimônio global
O avanço dessas pesquisas só foi possível graças a uma ampla cooperação entre a Marinha do Brasil, o CNPq, universidades como a USP (com sua estação de mergulho científico) e organizações da sociedade civil, como a Fundação Grupo Boticário.

Ilha de São Pedro e São Paulo pertence a Pernambuco. Foto: Marinha do Brasil
“Ao revelar a riqueza do endemismo nas ilhas brasileiras, reforçamos a urgência de proteger esse patrimônio. Não se trata apenas de evitar que a biodiversidade desapareça, mas de assegurar que o oceano continue a fornecer recursos, regular o clima e inspirar novas soluções para o futuro”, afirma Marion Silva, gerente de Conservação da Fundação.
O estudo não é apenas uma reclassificação científica; é um poderoso chamado à ação. Ele prova que o Brasil guarda, em suas águas, alguns dos tesouros biológicos mais valiosos e ameaçados do mundo. Cabe a nós conhecê-los, estudá-los e, acima de tudo, protegê-los.
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