Uma cena, no mínimo, inusitada: dezenas de cabras selvagens foram removidas da isolada Ilha Santa Bárbara, no arquipélago de Abrolhos, litoral sul da Bahia. A operação que parece roteiro de documentário, mas é real e ocorreu entre janeiro e março de 2025.
O responsável pela ação foi o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que coordenou o resgate dos últimos 27 animais, encerrando uma história de mais de dois séculos.
A História das Cabras de Abroulhos
As cabras, deixadas por navegadores ainda no período colonial, sobreviveram por mais de 200 anos em condições extremas, sem acesso a fontes naturais de água doce — um verdadeiro milagre da natureza.
O arquipélago, inclusive, foi visitado por Charles Darwin em 1832, e desde então a presença desses animais se tornou parte do ecossistema da ilha habitada, mas com impactos consideráveis.
Resistentes, mas prejudiciais ao ecossistema
Apesar da resistência impressionante, os animais passaram a representar uma ameaça ao frágil equilíbrio ambiental da ilha. A intensa atividade de pastagem comprometeu a vegetação e o solo, além de afetar aves marinhas que utilizam Abrolhos como berçário, como a ameaçada grazina-do-bico-vermelho.
A remoção foi necessária para preservar a biodiversidade local e dar início à regeneração da flora nativa. A ação faz parte de um plano de manejo elaborado desde 2023 e contou com apoio da Marinha do Brasil, da Embrapa, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).
Tesouro genético: cabras resistentes à seca
O que mais chama a atenção dos cientistas, porém, é a resiliência genética desses animais. Segundo o professor Dr. Ronaldo Vasconcelos, zootecnista da Uesb, essas cabras desenvolveram características genéticas únicas para sobreviver em ambiente com escassez total de água doce.
“Imagine um material genético que evoluiu em uma ilha árida. Esses animais carregam algo precioso em seu DNA, e isso precisa ser estudado”, destacou o professor em nota da Uesb.
As cabras agora estão em quarentena no campus da universidade em Itapetinga, onde passam por acompanhamento veterinário e científico. O objetivo é utilizar esse “tesouro genético” em pesquisas que possam beneficiar regiões semiáridas do Brasil, oferecendo soluções para a criação sustentável de caprinos.
Características das cabras da Ilha Santa Bárbara
| Característica | Descrição |
|---|---|
| Origem | Introduzidas por navegadores coloniais há mais de 200 anos |
| Ambiente | Ilha oceânica sem fontes de água doce |
| Alimentação | Vegetação nativa, sem suplementação humana |
| Adaptação hídrica | Sobrevivência com mínima ingestão de água livre |
| Reprodução | Autônoma, sem interferência humana |
| Comportamento | Selvagens, mas com baixa agressividade |
| Importância genética | Potencial para estudos sobre resistência à seca e manejo em áreas semiáridas |
| Impacto ambiental | Danificaram vegetação e afetaram reprodução de aves nativas |
Um novo capítulo para Abrolhos
Dessa forma, a retirada marca também um novo capítulo na história do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, criado em 1983 como o primeiro parque marinho do Brasil. Além de Santa Bárbara, única ilha habitável do arquipélago e distante cerca de 65 km do município de Caravelas (BA).
O parque é formado pelas ilhas Redonda, Siriba, Sueste e Guarita, sendo considerado um dos mais importantes refúgios da vida marinha no Atlântico Sul.
Agora, sem as cabras, Abrolhos volta a respirar seu equilíbrio natural — e as antigas moradoras da ilha se tornam, ironicamente, personagens centrais de pesquisas que podem salvar rebanhos em outras partes do país.
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