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Conheça o motoboy cearense que viveu em situação de rua, deu a volta por cima e é aprovado na OAB

Sérgio Pereira tem 36 anos, é estagiário de Direito e entregador de aos fins de semana. Recentemente aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará, o futuro advogado conta a própria história de superação da situação de rua e a luta contra o preconceito. Aos 11 anos, vivendo e se alimentando nas vias de Fortaleza, ele precisou interromper os estudos ainda na 3º série. Duas décadas depois, Sérgio voltou a estudar e conseguiu concluir o ensino médio, o que permitiu a entrada no curso superior e o início da realização de um sonho.

A motivação para cursar Direito veio de uma experiência de sofrimento e do desejo de ter a cidadania assegurada. “Uma vez, uns seguranças de um supermercado pensaram que eu estava roubando, me levaram para o banheiro, me fizeram tirar a roupa para conferir. Mesmo que eu mostrasse a nota, eles não paravam com as grosserias. Eu não sabia como me defender.”

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“O que me motivou a estudar foram todas as humilhações que eu passei por ser motoqueiro e ter morado na rua. Eu sempre pensei que deveria estudar para provar que eu poderia ser alguém melhor e digno de respeito”, explicou o entregador, com os olhos marejados.

Depois deste episódio, ele relatou que tentou buscar apoio em uma delegacia denunciando o caso aos agentes de segurança. “Ele [delegado] não estava interessado na minha situação e disse que não tinha nenhum agente para mandar, por isso não tinha o que fazer.”

Graças às poucas oportunidades e ao esforço incansável para sair da situação de rua, ele conta que a vida dele mudou nos últimos anos. “Hoje, a minha vida se resume a estágio. Meu plano sempre foi ter o último ano de faculdade dedicado ao estágio e à OAB. Juntei dinheiro para conseguir fazer isso. Todo o esforço do passado deu certo”, relata.

Na sala de aula, fora das ruas

Já na faculdade, Sérgio ainda precisou lidar com situações desconfortáveis. “No começo da faculdade foi muito difícil. Eu era um cara que não tinha feito o ensino regular e estava em uma sala com pessoas inteligentes, que sabiam se expressar, muitas estavam na segunda graduação.”

“Até naquele ambiente eu era desprezado, seja por não ter roupa boa ou por não saber escrever direito. Além de estudar Direito, eu tive que estudar português. Por várias vezes, nos grupos, os outros alunos me constrangiam na frente de todos, dizendo que eu não estava escrevendo certo. Além das sete, oito disciplinas da faculdade, eu tive que estudar o português. Eu tive que me revirar em três.”

Todo tempo livre do motociclista era investido nos estudos. “Eu chegava duas horas antes no trabalho para revisar os conteúdos das aulas. Eu costumava colocar post-it em todos os lugares, como no tanque da moto, porque enquanto eu estava no sinal, eu aproveitava para decorar as informações que eu tinha anotado.” E foi através dessa rotina e dias cansativos que o estudante de Direito foi aprovado na OAB ainda no 9º semestre.

“Aquelas pessoas que me fizeram passar vergonha, fizeram a prova da OAB e não passaram. Hoje eu trabalho em um escritório em que eu entregava comida. Sempre pensei: ‘Imagina como deve ser trabalhar aqui.’ Minha mãe é analfabeta, meu pai é semianalfabeto. Eu sou o único entre os meus irmãos que passou do ensino médio. Ocupar esses espaços é motivo de orgulho para mim.”

Esposo e pai

O futuro advogado é casado há 12 anos com Juliana e pai de Nicolas, de 7 anos. Ele conheceu a esposa em uma lanchonete onde trabalhava. Até na relação com os familiares da esposa o preconceito contra o entregador estava presente: “O meu sogro só falou comigo depois de três anos casado com a filha dele. Ele expulsou ela de casa quando a gente namorou. Ele dizia que eu só queria engravidar ela e tirar ela dos estudos, por isso insisti para ela estudar mais ainda”.

O casamento está conectado com o retorno aos estudos do entregador, pois a expectativa de Sérgio era que quando a esposa terminasse o curso superior, a vez de assumir a rotina de aulas e de livros seria dele. Atualmente, Juliana é pós-graduanda em Enfermagem e sustenta a casa, enquanto o marido conclui o sonho de se formar em Direito.

“Depois de anos, ele (sogro) me pediu perdão pelas ações preconceituosas. Hoje a gente se dá muito bem. Eu lembro que quando eu me casei, meu sogro até proibiu de os meus cunhados e sogra irem ao casamento. Eu não guardo rancor de ninguém, eu sou pessoa de amizade. Eu dizia que quando ela terminasse, seria eu quem iria estudar.” Na época em que voltou a estudar, ele já estava há cerca de 20 anos sem frequentar uma escola.

“O pior de tudo era passar fome e comer restos do lixo”

No escritório de advocacia em que trabalha, com roupa social, cabelos e barbas aparados, ele relembra o período em que esteve na rua. “O pior de tudo era passar fome e comer restos de comida encontrados no lixo. O tempo das ruas foi sofrido. Dormir nas calçadas é complicado. Quando eu vejo as pessoas nas ruas, volta tudo na minha cabeça. Seria muito bacana que as pessoas tivessem oportunidade de sair da rua, principalmente através do poder público.”

FONTE: Do O Povo

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