Como uma indígena cadeirante virou exemplo de solidariedade

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No coração do Ibura, bairro da periferia do Recife, uma voz potente ecoa: “Nascemos ativistas em um mundo machista/onde o homem branco quer dominar nossa vida/ matando, estuprando e violentando nossas terras/Com o urucum nos olhos/seguimos marchando com a força ancestral nos guiando”. Esses versos, carregados de ancestralidade e resistência, são de Maria Alice de Melo Silva, uma jovem indígena de 19 anos, cadeirante, estudante de terapia ocupacional na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e uma das lideranças mais inspiradoras da sua geração.

Neste 7 de fevereiro, Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, a história de Alice nos lembra que a mobilização pelo próximo pode começar cedo e transformar realidades. Nascida na cidade de Pesqueira, em Pernambuco, e pertencente à etnia Xukuru do Ororubá, Alice é conselheira jovem do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e integrante da rede Reimaginando Futuros, que busca fortalecer a participação de adolescentes na promoção de mudanças sociais.

Arte e Inclusão no Cineclube Ibura

A princípio, Alice não esperou a vida adulta para começar a fazer a diferença. Desde a adolescência, ela coordena projetos de inclusão na comunidade do Ibura, um local muitas vezes estigmatizado pela violência. Ao mesmo tempo, um dos seus maiores legados é o Cineclube Ibura, criado no segundo semestre de 2023. Dessa forma, o projeto exibe filmes que abordam temas como direitos humanos, mudanças climáticas, combate ao preconceito e cultura da favela.

Assim, após as exibições, os jovens participam de debates e mostras culturais, onde expressam seus talentos através de batalhas de rima, danças, desenhos e grafitagem. O sucesso do cineclube foi tão grande que, semana após semana, mais pessoas passaram a frequentar o espaço, localizado no Centro Comunitário Paulo Freire.

De acordo com Alice, o cineclube é mais do que um espaço de entretenimento: é um lugar de reflexão e valorização das diversidades. “É muito importante trazer os saberes dos nossos ancestrais para a área urbana. Precisamos quebrar o preconceito que existe na cidade. Eu tenho levado a cultura indígena para a periferia e mostrado o quanto é importante respeitar e entender”, afirma.

Arte na Favela: O Coletivo que Empodera Jovens

O impacto de Alice não para no cineclube. Junto com outros jovens, ela criou o coletivo Arte na Favela, que já reúne cerca de 200 pessoas. O objetivo é oferecer oportunidades para artistas da periferia, como MCs, poetas e rappers, gravarem suas músicas e mostrarem seu talento.

Um dos artistas que encontrou no coletivo um caminho para transformar sua vida é Ramon Lira, conhecido como MC Kim. Com 18 anos, Ramon produz cultura hip hop, poesia e rap, abordando temas como a falta de políticas públicas e o preconceito contra moradores da periferia. “A gente pergunta se as pessoas podem contribuir com qualquer valor”, diz ele, que espera viver da arte e cuidar do seu primeiro filho, que nasce em abril.

Ramon atribui a Alice a responsabilidade pela transformação do cenário cultural no Ibura. “Ela conseguiu deixar a cultura forte no nosso bairro. O hip hop entrou na minha vida para poder transformar”, afirma.

Acessibilidade e Representatividade

Alice sabe bem o que é enfrentar desafios. Aos 10 anos, ela perdeu os movimentos das pernas devido a uma paralisia. No entanto, isso nunca a impediu de lutar pelos seus ideais. Pelo contrário, ser uma pessoa com deficiência a fez se sensibilizar ainda mais com quem precisa de suporte.

Atualmente, ela mora sozinha e enfrenta diariamente três horas de transporte público para estudar e realizar seus projetos. “Nos meus debates com jovens com deficiência, há os que se sentem desanimados com o diagnóstico. Eles acham que não podem mais construir uma vida. Eu quero mostrar para eles que podem, sim”, diz Alice, que sonha em se especializar em terapia ocupacional social para continuar ajudando sua comunidade.

Tabela: Conquistas e Projetos de Alice Melo

Projeto/IniciativaDescriçãoImpacto
Cineclube IburaExibição de filmes e debates sobre direitos humanos, cultura e diversidade.Mais de 100 jovens participam, promovendo reflexões e mostras culturais.
Arte na FavelaColetivo que apoia artistas da periferia, como MCs, rappers e poetas.Cerca de 200 pessoas envolvidas, com oportunidades para gravações e eventos.
Conselho Jovem do UnicefParticipação em rede nacional para promover direitos de adolescentes.Fortalecimento da participação juvenil em políticas públicas.
Terapia Ocupacional SocialFutura especialização para atuar na comunidade.Promoção da inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência.

Alice Melo é a prova viva de que a juventude pode ser protagonista de mudanças profundas. Com sua força ancestral, ela transforma o Ibura em um espaço de arte, cultura e resistência. Desse modo, mostrando que é possível sonhar e construir um futuro melhor, mesmo diante das adversidades. Em suma, seu trabalho nos inspira a olhar para as periferias com respeito e admiração, reconhecendo o poder da arte e da mobilização comunitária.