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Cobogó: invenção pernambucana volta a ser destaque em tempos de calor extremo

Criado no Recife em 1929, o cobogó volta a ganhar destaque global como solução sustentável para enfrentar o calor. Reportagem da BBC ressalta a importância da peça na história da arquitetura brasileira e nordestina.
Eliseu Lins, da Agência NE9
7 de outubro de 2025 - às 07:25
Atualizado 7 de outubro de 2025 - às 07:25
4 min de leitura

Símbolo da arquitetura moderna brasileira, peça criada no Recife volta a ser valorizada por arquitetos

O cobogó, elemento vazado nascido em Pernambuco, voltou a ser pauta mundial após reportagem especcial da BBC de Londres destacar sua relevância arquitetônica e ambiental. Criado no Recife no final da década de 1920, o item – que mistura estética, funcionalidade e sustentabilidade – ressurge como alternativa inteligente para enfrentar o calor extremo que atinge o Brasil e diversas partes do planeta.

fachada de pédio em cobogo
COBOGOS foto reprodução

Raízes pernambucanas e identidade nordestina

De acordo com a matéria da BBC, o cobogó foi patenteado em 1929 pelos engenheiros Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis, cujas iniciais deram origem ao nome da peça. Produzido inicialmente como um bloco pré-fabricado de cimento, o material tinha como objetivo reduzir custos e acelerar construções – sem imaginar o impacto estético e climático que traria à arquitetura moderna.

O primeiro grande exemplo de uso está na caixa-d’água de Olinda, no ponto mais alto do sítio histórico, onde a fachada com cobogós ajuda até hoje a reduzir o calor e permitir a circulação de ar. A peça se espalhou rapidamente pelo Recife e, depois, por cidades como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, tornando-se símbolo da arquitetura modernista brasileira.

Soluções locais para um clima global

Em tempos de mudanças climáticas e ondas de calor – como a sexta registrada neste ano no Brasil, com temperaturas acima dos 40°C – o cobogó volta a ser valorizado por arquitetos e pesquisadores.

Segundo Guilah Naslavsky, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o cobogó é “uma solução bioclimática que une sustentabilidade e poesia da arquitetura brasileira”. Ele filtra a luz solar, permite a ventilação natural e cria uma “zona de transição” que resfria os ambientes sem necessidade de ar-condicionado.

Para o arquiteto Cristiano Borba, doutor pela UFPE, o cobogó representa um “caso clássico de funcionalidade que virou identidade visual popular”, especialmente no Nordeste, onde passou a compor varandas, jardins e muros de casas.

COBOGOS na UFPE foto reprodução

Do Recife para o mundo

O estilo vazado típico das fachadas pernambucanas influenciou construções icônicas do modernismo, como os prédios de Oscar Niemeyer em Brasília, apelidada por Borba de “filhote de arquitetos nordestinos”. Com o tempo, o cobogó deixou de ser apenas um item construtivo para se tornar um símbolo de brasilidade, associado à luminosidade, ventilação e memória afetiva.

Hoje, empresas e designers nordestinos, como a Obi, sediada em João Pessoa (PB), resgatam o uso do cobogó em projetos residenciais e corporativos. “É um ambiente que respira”, resume o empresário João Gomes Neto, sobre o retorno do interesse por soluções térmicas e sustentáveis no pós-pandemia.

Releitura e futuro sustentável

Na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, o cobogó ganhou destaque em uma nova versão sustentável, feita a partir de resíduos da construção civil, segundo o professor Clevio Rabelo, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisas da UFRJ também indicam o potencial da peça para melhorar a ventilação em favelas, mostrando que o elemento criado no Nordeste pode inspirar soluções urbanas em todo o país.

Em um cenário em que fachadas de vidro e concreto ainda predominam nas cidades quentes, especialistas defendem que olhar para o passado pode ser uma saída para o futuro.
“Se não tivéssemos abandonado tradições como o cobogó, hoje estaríamos menos dependentes do ar-condicionado”, conclui a pesquisadora Guilah Naslavsky.

Cobogó em números e curiosidades

AspectoDetalhe
Ano da patente1929
CriadoresAmadeu Coimbra, Ernest Boeckmann e Antônio de Góis
Origem do nomeJunção das iniciais “Co-Bo-Gó”
Primeiro uso marcanteCaixa-d’água de Olinda (PE)
Função principalVentilação, proteção solar e estética
Material originalCimento pré-fabricado
Tendência atualReleitura sustentável e conforto térmico

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Eliseu Lins

Eliseu Lins é baiano de nascimento e paraibano de coração. Jornalista formado na UFPB, tem mais de 20 anos de atuação na imprensa do Nordeste. É pós-graduado em jornalismo cultural e ocupa o cargo de editor-chefe do NE9 desde 2022.