Símbolo da arquitetura moderna brasileira, peça criada no Recife volta a ser valorizada por arquitetos
O cobogó, elemento vazado nascido em Pernambuco, voltou a ser pauta mundial após reportagem especcial da BBC de Londres destacar sua relevância arquitetônica e ambiental. Criado no Recife no final da década de 1920, o item – que mistura estética, funcionalidade e sustentabilidade – ressurge como alternativa inteligente para enfrentar o calor extremo que atinge o Brasil e diversas partes do planeta.

Raízes pernambucanas e identidade nordestina
De acordo com a matéria da BBC, o cobogó foi patenteado em 1929 pelos engenheiros Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis, cujas iniciais deram origem ao nome da peça. Produzido inicialmente como um bloco pré-fabricado de cimento, o material tinha como objetivo reduzir custos e acelerar construções – sem imaginar o impacto estético e climático que traria à arquitetura moderna.
O primeiro grande exemplo de uso está na caixa-d’água de Olinda, no ponto mais alto do sítio histórico, onde a fachada com cobogós ajuda até hoje a reduzir o calor e permitir a circulação de ar. A peça se espalhou rapidamente pelo Recife e, depois, por cidades como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, tornando-se símbolo da arquitetura modernista brasileira.
Soluções locais para um clima global
Em tempos de mudanças climáticas e ondas de calor – como a sexta registrada neste ano no Brasil, com temperaturas acima dos 40°C – o cobogó volta a ser valorizado por arquitetos e pesquisadores.
Segundo Guilah Naslavsky, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o cobogó é “uma solução bioclimática que une sustentabilidade e poesia da arquitetura brasileira”. Ele filtra a luz solar, permite a ventilação natural e cria uma “zona de transição” que resfria os ambientes sem necessidade de ar-condicionado.
Para o arquiteto Cristiano Borba, doutor pela UFPE, o cobogó representa um “caso clássico de funcionalidade que virou identidade visual popular”, especialmente no Nordeste, onde passou a compor varandas, jardins e muros de casas.

Do Recife para o mundo
O estilo vazado típico das fachadas pernambucanas influenciou construções icônicas do modernismo, como os prédios de Oscar Niemeyer em Brasília, apelidada por Borba de “filhote de arquitetos nordestinos”. Com o tempo, o cobogó deixou de ser apenas um item construtivo para se tornar um símbolo de brasilidade, associado à luminosidade, ventilação e memória afetiva.
Hoje, empresas e designers nordestinos, como a Obi, sediada em João Pessoa (PB), resgatam o uso do cobogó em projetos residenciais e corporativos. “É um ambiente que respira”, resume o empresário João Gomes Neto, sobre o retorno do interesse por soluções térmicas e sustentáveis no pós-pandemia.

Releitura e futuro sustentável
Na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, o cobogó ganhou destaque em uma nova versão sustentável, feita a partir de resíduos da construção civil, segundo o professor Clevio Rabelo, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisas da UFRJ também indicam o potencial da peça para melhorar a ventilação em favelas, mostrando que o elemento criado no Nordeste pode inspirar soluções urbanas em todo o país.
Em um cenário em que fachadas de vidro e concreto ainda predominam nas cidades quentes, especialistas defendem que olhar para o passado pode ser uma saída para o futuro.
“Se não tivéssemos abandonado tradições como o cobogó, hoje estaríamos menos dependentes do ar-condicionado”, conclui a pesquisadora Guilah Naslavsky.

Cobogó em números e curiosidades
Aspecto | Detalhe |
---|---|
Ano da patente | 1929 |
Criadores | Amadeu Coimbra, Ernest Boeckmann e Antônio de Góis |
Origem do nome | Junção das iniciais “Co-Bo-Gó” |
Primeiro uso marcante | Caixa-d’água de Olinda (PE) |
Função principal | Ventilação, proteção solar e estética |
Material original | Cimento pré-fabricado |
Tendência atual | Releitura sustentável e conforto térmico |
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