É hora de reencantar o mundo, como diria meu professor de meditação e budismo, o Lama Padma Samten. Após o inverno, olhamos novamente para o mundo através da janela, e a cerejeira desabrocha em flores. Esse é um dos ensinamentos que mais aprecio do meu professor, pois nos lembra que nunca devemos perder de vista a nossa capacidade de construir um mundo melhor e relacionamentos mais pacíficos. Tudo porque a flor de cerejeira sempre volta a florescer.
Sim, precisamos de sonhos e narrativas utópicas que falem sobre a primavera e o reencantamento do mundo. Você pode se perguntar como isso é possível. Durante este mês, infelizmente, tivemos registros de três feminicídios de mulheres em nosso Estado. Em um desses casos, o agressor tirou a vida de uma jovem de apenas 19 anos e depois cometeu suicídio, o que demonstra de forma simbólica a persistência do machismo e seus impactos na sociedade e na vida de todas as pessoas que habitam este planeta.
Você também pode recorrer ao discurso pós-moderno do sociólogo Zygmunt Bauman sobre “tempos líquidos” e “relações líquidas” para não acreditar do reencantamento e para lembrar das separações anunciadas e traições expostas nas redes sociais por figuras públicas como Luiza Sonza e o casal Sandy e seu parceiro. Dores foram reveladas em forma de cartas e músicas, e após mais de duas décadas de relacionamento, finais foram tornados públicos. Como nós, totalmente envolvidos pelas notícias e pelas redes sociais, lidamos com o amor, a cerejeira e os sonhos?
Ainda assim, quero lhe contar que, mesmo diante de toda a impermanência dos fenômenos, a vida encontra uma maneira de se renovar. De maneira bela, como uma flor, um amigo poeta me contou que marcou um encontro com uma amiga que compartilha sua admiração por Alice Ruiz. Após vinte anos de caminhos separados ou opostos, os dois começaram a contemplar o mar juntos, falando sobre poesia, entre beijos, abraços e a vontade de viver o amor.
Eles não são mais adolescentes; ambos têm 54 anos, mas a vida voltou a sorrir porque há espaço para o amor, mesmo que você não acredite. Claro, não há garantias. Não estou falando do amor romântico que promete um final feliz eterno. Estou falando de possibilidades, de enxergar a poesia e o outro como um livro misterioso. Nunca se sabe o que se encontrará. Assim como a cerejeira que descongela, é necessário descongelar o olhar, o coração e a mente. É preciso abrir-se para o espaço repleto de joias.
Para vocês, deixo um haicai de Alice Ruiz:
o menino me ensina
como um velho sábio
o quanto sou menina
JANAÍNA ARAUJO – COLUNA NA CASA DOS 50