A geração de energia a partir de renováveis, como eólica e solar, pode assumir o protagonismo na matriz elétrica brasileira no Brasil pós-2030, com hidrelétricas ocupando o papel que hoje é desempenhado pelas térmicas.
A avaliação é do engenheiro Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Ele ocupou o cargo entre 2016 e maio de 2020.
Em entrevista à Diálogos da Transição, Barata afirma que a tendência será a de utilização dos reservatórios das hidrelétricas como base para expansão das fontes renováveis intermitentes, papel hoje atribuído às fontes despacháveis termoelétricas.Por este caminho, existe a possibilidade de o país alcançar um mix de energia mais diversificado e limpo.
“Não podemos perder de vista que no mercado de energia nenhum planejamento é para o momento presente, tudo precisa ser pensado a muito longo prazo”, adverte.
Para o ex-diretor do ONS, a combinação de mudanças do clima, causadas pelo progressivo aquecimento da atmosfera do planeta, com a destruição de biomas produtores de água, como a floresta Amazônica, provoca graves impactos às usinas hidrelétricas brasileiras.
“Eu faço uma correlação direta entre mudanças climáticas, desmatamento e crise hídrica; a questão do impacto no suprimento de energia com relação a essa questão climática e reservatórios das nossas usinas hidrelétricas”.
Risco energético e mudanças climáticas. Há décadas os cientistas alertam que o agravamento das mudanças climáticas globais tende a reduzir o padrão de chuvas das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. Estiagens severas, como as ocorridas no começo do século, entre 1999 e 2002 e entre 2013 e 2015, seriam mais frequentes.A chegada de uma nova seca prolongada em 2020 — apenas cinco anos depois do último evento semelhante — confirma as projeções. E Barata adiciona um elemento a essa equação: o desmatamento.
“Os maiores agressores do clima no Brasil são o desmatamento, a mobilidade e as térmicas a carvão concentradas na região Sul, que usam carvão de má qualidade, geram excesso de poluição e dependem de altos subsídios que o país inteiro paga”.
O papel do gás na transição. Como desligar todas as térmicas no país ainda não é possível, Barata defende o uso do gás para substituir usinas a óleo e a carvão, em uma espécie de redução de danos climáticos.O gás atenderia a essa etapa intermediária para o abandono de fontes mais poluidoras, a exemplo do carvão – movimento visto em grandes mercados globais, como os EUA.
“É daí que vem a ideia de se considerar o gás como combustível de transição. O que não podemos é usar as térmicas para desenvolver o mercado de gás no país”, defende
Esse debate está colocado, novamente, na proposta de capitalização da Eletrobras.
Racionamento? “Não faz sentido falar em desabastecimento neste momento porque o Operador Nacional do Sistema acionará todas as térmicas e pode até importar energia do Uruguai e da Argentina”, diz.
O diagnóstico bate com o que vem sendo dito pelo governo: o suprimento está garantido. É preciso, contudo, racionalizar o uso de água e energia para minimizar o impacto dos preços.
Para explicar como o Brasil se tornou dependente das termelétricas, Barata recorda a crise de 2001, quando o país sofreu com apagões e racionamento de energia.
“A partir dali, ficou clara a necessidade de complementar a nossa matriz, que era quase exclusivamente hidrelétrica, mas o projeto inicial buscava termelétricas a gás, o que não ocorreu”.
Ao contrário, o que se observou entre 2001 e 2010 foi a expansão de usinas a óleo combustível, mais baratas de implantar, mais poluentes e que geram energia mais cara.
Essa escolha deu origem ao atual mix hidrotérmico em que a falta de chuvas faz o consumidor pagar mais caro na conta, explica.
Só a partir de 2011, alternativas renováveis como solar e eólica passaram a ganhar impulso.
Época de chuva, época de vento. A maior parte das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste vive o período seco de maio a outubro, quando a capacidade hidrelétrica cai e a conta de luz sobe com o acionamento das termelétricas.Os ventos podem acabar com essa tradicional gangorra de preços porque é exatamente nessa época do ano que as eólicas geram mais energia. Com um papel importante da escala trazida pelos parques offshore.
“O vento segue a mesma trajetória do petróleo. Começou na terra, onde o custo de exploração é menor, depois vai para o mar”, compara.
“Eu estava entre os que pensavam que eólica offshore não faria muito sentido no Brasil e que só seria realidade bem depois de 2030, mas já há projetos em curso, antecipando esse novo mercado para a década atual, muito antes do que todo mundo previa”.
Barata é a favor do fim dos subsídios tanto para eólica como para energia solar porque os setores já seriam maduros e competitivos.
FONTE: EP BR // Texto: Nayara Machado e Cinthia Leone projeto Em Diálogos da Transição